Era uma vez uma doce menina. Todo mundo que a conhecia já gostava dela, mas principalmente sua avó, que não sabia qual seria a próxima lembrança que ela iria dar à neta. Uma vez ela deu à criança um lencinho vermelho que combinava com o seu vestidinho de chita .
O lencinho era bom porque protegia a menina do sol forte da sua região. Ela gostou tanto do presentinho que queria usá-lo o tempo todo, por isso ficou conhecida por Lencin Vermêi .
Um dia a mãe dela falou: “Vem cá Lencin Vermêi. Tá aqui um pedacin de carne de sol e uma manteiga de garrafa. Leve lá pra sua vó que tá doente, fraca e sem poder cozinhar. Isso vai dar sustança a ela. Se comporte bem e mande minhas lembranças à ela. Preste atenção no caminho e não saia do rumo, se não você pode escorregar e cair em um mata-burro , quebrar a garrafa e derrubar a carne no mato, aí sua vó doente não vai ter o que comer.” Lencin Vermêi prometeu obedecer a mãe. A avó dela não vivia em Patos , mas sim no sítio Trapiá próximo à cidade, coisa de meia hora de caminhada.
Quando Lencin Vermêi saiu da pista e chegou na estrada de barro, um touro apareceu na sua frente. Ela não sabia que ele era um animal bravo, por isso não sentiu medo dele.
“Dia pro cê, Lencin Vermêi”.
“Brigada, seu Touro”.
“Pra onde você tá indo tão cedo, Lencin Vermêi?”
“Pra casa da minha vó”.
“O que cê tá carregando nesse balai ?”
“Vó tá doente e fraca, to levando um pouco de carne de sol e uma manteiga de garrafa. Cozinhamos hoje, isso deve dar sustança à ela”.
“Lencin Vermêi, mas onde mora sua vó?”
“A casa dela é daqui a uns quinze minutos, debaixo de três grandes pés, um de algaroba, um de juá e outro de oiticica . Tem um pé de cacto logo na frente. Você deve saber onde é”, falou Lencin Vermêi.
O touro pensou: “Agora tem um gostoso rango pra mim. Mas como diabos eu vou pegar ela?” Depois ele falou, “Escute Lencin Vermêi, cê num viu as flor do sertão que tão brotando no sítio Trapiá de Cima? Por que cê num vai dar uma olhadinha? E não acredito que você não vai ouvir que os galos-de-campina estão cantando. Dê meia volta por aquele caminho e vá pelo Trapiá de Cima que é tudo muito bonito lá”.
Lencin Vermêi abriu os olhos e viu os raios do forte sol entre as oiticicas e como o gramado tava verdinho. Ela pensou: “Se eu pegar essas flores do sertão pra vó, ela vai ficar mais felizinha. Já que ainda é cedin e vou voltar pra casa na hora”. Ela correu entre os cactos procurando as flores cor-de-rosa. Toda vez que ela pegava uma, ela pensava que poderia encontrar uma ainda mais bonita mais na frente. E ela corria indo cada vez mais na direção do outro sítio. Mas o touro foi direto pra casa da avó e bateu na porta.
“Quem tá aí?”
“Lencin Vermêi, eu trouxe carne de sol e manteiga da terra. Abre aqui vó”.
“É só tirar o ferrolho”, gritou a avó. “Tô fraca por demais pra levantar”.
O touro tirou o ferrolho e a porta abriu. O animal entrou, foi pra cama da avó e a comeu. Aí ele pegou as roupas dela e as vestiu, colocou o chapéu de palha na cabeça para cobrir os chifres. Ele ficou na cama dela e colocou uns panos nas janelas.
Lencin Vermêi tinha procurado as flores e não continuou no caminho para o Trapiá até que conseguisse pegar todas as flores que pudesse carregar. Quando ela chegou na casa da avó, se surpreendeu porque a porta já estava aberta. Ela foi entrando pra sala e tudo pareceu tão esquisito que ela pensou: “Oxe , por que danado tô tão aperriada? Eu sempre gosto da casa da vó”. Então ela foi até a cama da avó e arrancou os panos de prato das janelas. A avó estava deitada com seu chapéu de palha caído sobre a cara dela e o seu olhar era bem esquisito.
“Vôte , vó, que danado de orelhas grande a senhora tem!”
“É tudo pra escutar ocê melhor”.
“Vôte, vó, que danado de olhos grandes a senhora tem!”
“É tudo pra ver ocê melhor”.
“Vôte, vó, que danado de mãos grandes a senhora tem!”
“É tudo pra arrochar ocê melhor”.
“Vôte, vó, que danado de boca mais feia e grande que a senhora tem!”
“É pra te comer!” E com um pulo pra fora da cama, o touro avançou pra a pobre Lencin Vermêi e a comeu também. Quando o touro terminou o rango, ele rastejou pra cama, adormeceu e começou a roncar bem alto.
Um vaqueiro que cuidava do gado daquela região ia passando por perto da casa. Ele achou estranho que a velhinha estava roncando tão alto e resolveu dar uma espiadinha. Ele emburacou na casa e viu deitado na cama aquele touro malvado que ele procurava há muito tempo. “Ele deve ter comido a avó, mas ainda dá tempo de salvar ela. Num vou atirar nele não.”, pensou o vaqueiro. Então ele pegou uma pexeira e rasgou o bucho do touro.
Ele tinha rasgado apenas uns pedaços do bucho do animal quando ele viu o brilho de um lecinho vermelho. Ele rasgou mais um pouco, e a garota pulou e gritou: “Vixe Maria , eu tava com tanto medo. Tava tão escuro lá dentro!”
E depois a avó saiu também vivinha da silva . Então Lencin Vermêi pegou umas pedras pesadas juntas com umas urtigas . Eles encheram o corpo do touro com elas e quando ele acordou tentando correr, as pedras estavam tão pesadas e as urtigas irritavam tudo dentro dele que ele caiu morto.
Os três ficaram muito felizes. O vaqueiro pegou os chifres do touro. A avó comeu a carne de sol com a manteiga da terra que Lencin Vermêi tinha levado. E Lencin Vermêi pensou com ela mesma: “Enquanto eu tiver viva, nunca mais vou desobedecer mainha sair do rumo e andar sozinha por outros sítios.”
Nathalia Sátiro